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ABSTRACTS

Fabrizio Boscaglia (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa).

Sob um mesmo teto: cosmopolitismo e Islão no pensamento português contemporâneo.

Objetivo desta comunicação é apresentar e comparar textos e pensadores portugueses que, a partir de 1865, trataram do Islão e da cultura islâmica dentro de um discurso, quer cosmopolita, quer sobre o cosmopolitismo ou com este relacionado. Começando pelas ideias e os ideais de Antero de Quental e Oliveira Martins, passando por Fernando Pessoa e o Modernismo da Geração de Orpheu, para se chegar até ao Quinto Império ou Idade do Espírito Santo em Agostinho da Silva, serão analisadas as formas como estes e outros pensadores integraram no seu pensamento filosófico, histórico, histórico-cultural e religioso algumas vertentes e questões inerentes à religião e à civilização islâmica, como a tolerância religiosa, a síntese cultural e a partilha dos saberes.

Fabrizio Boscaglia (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa).

Fernando Pessoa's Lisbon - Walking tour.

On this walking tour we will discover the city of Lisbon through the life and poetry of Fernando Pessoa, walking through both the places where the poet used to go and the places mentioned in his works. We will see where the poet was born and lived. We will go through the most important places in Pessoa’s life accompanied by the words he wrote: the houses where he lived, the cafés where he met with other artists, the streets he crossed to meet with his lover Ofélia, and even the places where his heteronyms (fictional authors, invented by him) passed by (such as the Rua dos Douradores from his book Livro do Desassossego)… These places still "witness" the life and soul of the man whose works identified Lisbon as one of the capitals of poetry.

Mafalda Blanc (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa).

Habitar, pensar e construir. 

Entendendo a cosmopolítica como uma reflexão crítica correctiva dos aspectos mais controversos da mundialização em curso, julgámos oportuno chamar à colação o conceito heideggeriano de homem como “ser-no-mundo” (In-der-Welt-sein), a fim de colocarmos a questão: que figura deveremos nós dar ao nosso “mundo desfigurado” (Unwelt), de modo a podermos realmente habitá-lo como humanos? A resposta passa, a nosso ver, por reconhecer com o filósofo: 1. A tremenda insuficiência e perigosidade da dominância exclusiva do “dispositivo técnico” (Gestell) sobre a globalização; 2. O primado incontornável da configuração poético-pensante do mundo, tal como ela se processa originalmente nas línguas, mas também nas artes e, por vezes, na política, o que supõe não só o cultivo da tradição mas também a abertura/instauração de novos lugares, onde o mundo (a verdade do ser) possa irradiar como jogo do “quadripartido” (Geviert).

Pedro Calafate (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa).

A Ideia de Comunidade Universal nas Universidades Ibéricas do Renascimento.

Nas universidades da Península Ibérica, ao longo da idade moderna e sob impulso do encontro entre povos e culturas de coordenadas geográficas distintas, afirmou-se uma tradição teológica e ético-jurídica decisiva para equacionar e fortalecer a ideia de comunidade universal de natureza supraestatal, assente em regras morais superiores à soberania dos estados, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana, a unidade do género humano, o bem comum universal, a igualdade natural dos homens, dos povos e das soberanias do orbe, tanto do ponto de vista do domínio de jurisdição como no de propriedade, suportada por conceções democráticas  sobre a origem do poder civil, independentemente das formas de governo, por dizerem respeito ao arbítrio dos povos.

A ideia de comunidade universal, de Francisco de Vitoria e Martín de Azpilcueta a Francisco Suárez, pressupunha o reconhecimento da existência de valores universais, de interesses comuns e superiores, bem como de direitos e deveres emanados diretamente dos direitos natural e das gentes que a todos vinculavam, -- os Estados, os povos e os seres humanos.

Visava-se, assim, um conceito de comunidade não meramente internacional, mas propriamente universal, com base numa ordem que não radicava na estrita vontade dos Estados nem era por eles voluntariamente criada, embora fosse por sua vontade que a ela aderiam e respeitavam os seus ditames, afastadas que estavam as teses medievais sobre a autoridade universal do imperador ou do Papa.

De facto, a comunidade universal, para os teólogos renascentistas de Salamanca, Coimbra e Évora, era um postulado objetivo que encarnava em cada um dos seus membros, traduzia uma ordem natural pensada fora do quadro da conceção individualista dos Estados, quer dizer, pensada em antinomia com uma conceção dos Estados ou dos indivíduos tomados isoladamente, desligados de uma ordem mais vasta sem consideração da função que nela deveriam desempenhar.

Queria isto dizer que o fundamento da comunidade universal e os vínculos de solidariedade entre os Estados eram anteriores ao jus gentium, na medida em que correspondiam a uma lei imanente de sociabilidade entre os povos.

O jus communicationis, teorizado por Francisco de Vitoria em Salamanca,  prolongava-se nesta afirmação da lei imanente da sociabilidade, seja dos indivíduos seja dos Estados, porque o mundo comportava em si uma ordem objetiva não meramente acidental ou puramente artificial, abrindo-se também ao jus amicitiae e ao jus commercii.

Neste sentido, o jus gentium, na sua relação e harmonia com o direito natural, regulando as relações entre os Estados, não era um jus inteiramente interestatal em sentido estrito, ou estatocêntrico.

Tentaremos mostrar que, embora noutro contexto, o atual esforço conceptual de superação do direito internacional clássico aponta neste mesmo sentido da passagem da dimensão estritamente internacional, de um jus intergentes fragmentário protegido pelo consentimento, à propriamente universal, sob decisiva influência do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Neste plano, veremos a crescente afirmação de uma conceção de justiça objetiva, sobre que se ergue a consciência jurídica universal, em dimensão bem mais ampla do que a que provem do elemento subjetivo do costume internacional.

Romy Castro (cicdigitalpolofcsh da Universidade Nova de Lisboa).

As Imagens do assentamento da Terra.

Partindo de um projeto artístico e filosófico pessoal, designado “A Terra Como Acontecimento”, edificado espacial e tecnicamente em várias perspetivas extensionais de Terra/Espaço, onde se capturaram distintas matérias da Terra, em diversos domínios do território da cor, para construir temporalmente, segundo um processo cumulativo de conhecimento, teórico e prático, uma série de obras de arte, que se aprofundaram interdisciplinarmente em diferentes dimensões, para revelar o que emerge da espacialidade da Terra – do fundamento do lugar.  

Realização que implica para o seu acabamento e revelação uma “instauração de verdade”. Isto é, uma abertura interior do ser para a contemplação poética do Cosmos, para que se instaure neste abrir um fenómeno originário (Urphänomenen) como doação do ser e aparição do desenho da imagem do pensamento, para em devir, revelar as causas primeiras e últimas da Terra. A Terra como origem e como meio, mas apenas quando ela se torna obra e entra dentro de um mundo, onticamente, para ser nomeada através das imagens do seu assentamento e mostrar o seu assento.

Damien Ehrhardt (Université d’Evry-Val-d’Essonne / Université Paris-Saclay).

Musique et cosmos : l’émergence de la forme dans l’œuvre au XIXe siècle.

Si au moyen-âge, l’artiste-bâtisseur de cathédrales contribue modestement par sa technique à la réalisation d’un ouvrage qui le dépasse et symbolise le cosmos divin, peu à peu la situation change : l’artiste est perçu en tant que génie et son œuvre se trouve canonisée. C’est désormais l’univers des artistes et de leurs productions qui constitue un monde en soi. Ainsi, la musique ne reflète plus l’harmonie du cosmos comme dans le quadrivium, mais des chefs-d’œuvre à l’instar des Variations Diabelli de Beethoven ou de la Tétralogie de Wagner constituent en soi des microcosmes. L’émergence de la notion de forme comme unité dans la diversité rappelle elle aussi la notion de cosmos. La forme de quelques œuvres concernant le sujet du présent colloque sera étudiée ici: celles de la Cantate Humboldt de Félix Mendelssohn Bartholdy, du poème symphonique Orphée de Franz Liszt, etc.

Alexei Krouglov (U. Humanidades de Moscou).

Der Kampf gegen die Lehre von der besten Welt in der deutschen Kosmologie des 18. Jahrhunderts

In der Kosmologie als metaphysischer Disziplin ist in der Mitte der 50er Jahre des 18. Jahrhunderts die Auseinandersetzung über die beste Welt zugespitzt. Zum einen trug dazu die Preisaufgabe der Berliner Akademie der Wissenshaften auf das Jahr 1755 bei. Zum anderen änderte das Erdbeben von Lissabon 1755 die ganze Problemlage. Aber jenseits der Polemik Voltairs gegen Leibniz und der Naturkatastrophe in Lissabon fand Ende der 50er Jahre eine heftige Diskussion über die beste Welt statt, die Crusius und Crusianer mit den Anhängern der Lehren von Leibniz und Wolff führten. Im Zentrum der Polemik Kants gegen Crusianer (Reinhard und Weymann) standen erstaunlicherweise Probleme der Freiheit Gottes (libertas contradictionis und libertas contrarietatis) und entsprechende Probleme der Freiheit des Menschen. Das Hauptargument bestand also nicht darin, ob das Erdbeben von Lissabon 1755 „ein Examen der Axiom: alles ist gut“ war, sondern darin, ob die Lehre von der besten Welt an sich die Freiheit Gottes und des Menschen auflöst.

Gualtiero Lorini (Technische Universität Berlin).

Völkerrecht as Staatenrecht. The presupposes of Kant’s systematic definition of cosmopolitan right.

In the Metaphysics of Morals, Kant explicitly states that the concept of Völkerrecht should be better called Staatenrecht.  In the light of this, the proposed contribution aims to investigate the role played by the concept of Völkerrecht in Kant’s Public Right. The leading hypothesis is that a proper understanding of the meaning and value of a right regulating the relationships between the States enables a richer assessment of the cosmopolitan right - which is the further and final step of Kant’s Public Right. The first part of the paper provides an overview of the origin of the expression Völkerrecht and illustrates its potential misunderstandings from Kant’s point of view. The second part exposes and analyzes the reasons why the acknowledgment of the States as juridical subjects represents a crucial assumption, which allows us to appraise the peculiar characters of Kant’s cosmopolitan right.

Jan Marschelke (Universität Regensburg).

Culture eventually - practice of norms as sovereignty?

My talk will tentatively parallelize several reflections from thinker´s as different as Jeremy Bentham and Jacques Derrida and from disciplinary areas as different as legal theory and the history of nationalism. When it comes to the fundaments of legality and the state every of these reflections - different as they are - seem to end up, in one way or the other, with culture - or more precisely: with phenomena that seem to be intricately intertwined with a certain notion of culture. Maybe the many theories organizing the world in states are fundamentally flawed? Is practice of norms what we have to look at first?

João Pinheiro (Centro de Filosofia da Ciência da Universidade de Lisboa).

The Natural Reason of Cosmopolitan Moral.

Phenomena of interdependence and globalization have often been linked to the development of cosmopolitanism as of the Stoics [e.g. Aurelius 1997 (167 A.D.):43]. Some authors – notably, Kant [1784] – believe these phenomena will lead humanity towards the adoption of cosmopolitan norms, and this owing partially to the fact that «(t)he peoples of the earth have thus entered in varying degrees into a universal community» [1991 (1975):107-8]. Recently, David Held argued that these same phenomena push towards the development of «overlapping communities of faith» [Held 2005:x & 168] for whom the adoption of cosmopolitan norms would fare advantageously in what comes to the resolution of problems [cf. Held et al. 1999:444-6] (other authors such as Simon Caney 2005, and Ulrich Beck 2002 & 2006 have made similar claims). Perhaps more explicitly than any other, Pippa Norris has speculated that «we can expect the globalization of markets, governance, and communications to strengthen a cosmopolitan orientation» [Norris 2000:287], and under the umbrella of statistical analysis she has also argued that the same could be said of a higher education – which is good news for the proponents of “sentimental cosmopolitanism” [e.g. Rorty 1993, Nussbaum 1996, Appiah 2005 & 2006, & Long 2009]. However, to the exception of Norris’s claims about education, these hypotheses have fallen short of serious scrutiny, though it is true they fare well with the optimism of their proponents.

In this talk we propose to address this challenge from an evolutionary lens. We will adopt some working hypotheses from the field of Evolution of Morality [Sterelny & Fraser 2016] and by deploying the instruments of Evolutionary Graph and Game Theories [Henrich 2004, Santos, Pacheco & Lenaerts 2005, Nowak 2006, Harms & Skyrms 2007, Squartini et al. 2013, Zhang, Sigmund et al. 2013, and Ichinose & Sayama 2014] we will inquire what are the environmental conditions under which we can expect there to be selection for the kind of altruism usually associated with cosmopolitanism (such as behaving kindly to strangers independently of their socio-cultural group(s) identity). It will be argued that some small-world and scale-free networks sharing the properties of the phenomena alluded to by authors such as Held and Norris could indeed lead to the evolution of cosmopolitan morality, viz. cosmopolitan norms could become evolutionary stable strategies under specific conditions and mechanisms. On this same basis it will be further argued that the world’s current state of international relations better fits a model of inter-group selection where state reputation works analogously to individual reputation in models of indirect reciprocity, and that the absence of proper global mechanisms explains why state cooperation currently is not an evolutionary stable strategy.

Alessandro Pinzani (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq).

Qual é a "intenção cosmopolita"? Progresso jurídico e emancipação política como fim último da história em Kant.

O primeiro texto, no qual Kant apresenta sua filosofia da história, se intitula Ideia de uma história universal com uma intenção cosmopolita [weltbürgerliche Absicht]. As últimas duas palavras chamam a atenção. O que significa reconstruir a história universal tendo uma intenção evidentemente prática e política, como revelado pelo termo “cosmopolita”? E qual é o sentido desse termo? O que significa, para Kant, ser um cidadão do mundo, um Weltbürger?

Nesta comunicação pretendo responder a essas questões, mostrando como na visão kantiana a história do gênero humano só possui um sentido se culminar na instituição de uma ordem jurídica global. Ao mesmo tempo, pretendo mostrar as dificuldades teóricas implícitas nessa visão e questionar justamente a intenção cosmopolita assumida por Kant.

Nguyễn Quý Đạo (Laboratory SPMS/UMR 8580 CNRS, CentraleSupelec, University Paris-Saclay, France.)

A Far-Eastern reading of the Sky

The observation of the sky is a constant activity of people in Far-East Asia. Periodic changes according to the hours of the day or the seasons of the year are interpreted and related to human life. Unusual phenomena appearing in the sky are a sign of bad or happy news concerning important people on Earth or relate to some important events about to come. Everything is already written in the sky for those who know how to interpret them.
The sky is also the source of inspiration for poetry, music and for legends. In this talk, the tradition of the observation of the sky in the Far-East Asia is described, as well as some well-known legends, songs, and poetry inspired by the sky at night.

José Simões Pereira (Universidade de Coimbra).

Matemática e Lógica versus Filosofia e Religião.

Apresentarei o fruto de alguma meditação sobre este tema, incidindo sobre a permanência que carateriza a Matemática e o seu não absoluto caráter que a Lógica do século XX revelou, comparando com traços semelhantes que se encontram na Filosofia e nas religiões.

Gérard  Raulet (Université Paris-Sorbonne - Histoire des idées allemandes).

Le cosmopolitisme est-il une réalité? Antinomies et stratégies discursives.

Le cosmopolitisme a une histoire faite d’ombre et de lumière. En mal comme en bien, il s’est imposé comme un slogan sémantiquement malléable. La mobilisation du cosmopolitisme obéit en principe aux meilleures intentions. Mais la réalité est différente, on essaiera de le montrer et de mettre en garde. L’histoire des idées et l’histoire de la philosophie servent à cela. Elles permettent d’identifier les nœuds critiques. Dans le cas du cosmopolitisme, on n’est à cet égard pas déçu. Les essais et ouvrages qui ont, parallèlement aux prises de position normatives, abordé la question ainsi ne manquent d’ailleurs pas. Je ne vais donc certainement pas innover radicalement dans la présente communication, mais je vais au moins me situer dans ce courant et ainsi préciser le sens de tout ce que j’ai publié sur cette problématique depuis la fin des années 1990.

Je partirai de l’insistance suspecte à vouloir accréditer la réalité du cosmopolitisme et à lui assurer le statut d’un dogme sociologique. Ainsi, Ulrich Beck affirme sans détour : « La réalité est elle-même devenue cosmopolitique. » Après un rapide flash back sur les origines métaphysiques du cosmopolitisme et sur l’assimilation de l’idéal éthique à l’ordre supposé du Monde j’examinerai aussi systématiquement que possible les antinomies constitutives de la dialectique de la pensée mondialiste : le complexe formé parl’universalisme et l’individualisme, la confusion entre le cosmopolitisme et le multiculturalisme, la confusion du privé et du public, la judiciarisation et les enjeux d’une justice globale, l’antinomie du local et du spatial. Je conclurai par une réflexion sur les modalités politiques du « transnationalisme » et les possibilités d’exercice non seulement d’une opinion publique cosmopolitique mais d’une citoyenneté à l’échelle des conditions globales qu’elle doit affronter.

Juvenal Savian (Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo).

Le monde comme expérience

Qu'est-ce que le monde? Une réalité posée devant nous, une construction subjective ou bien une projection de notre façon de parler? Sur la voie ouverte par Edmund Husserl, les descriptions philosophiques d'Edith Stein (1891-1942) permettent de percevoir que, plutôt qu'une "chose", le monde est une "expérience". Néanmoins, dire cela ne signifie pas défendre un rélativisme ontologique ou gnoséologique, car l'intersubjectivité et le phénomène de l'empathie (Einfühlung) garantissent que nous pouvons encore parler de faits et non seulement d'interprétations.

Susana Antas Videira (Centro de Investigação em Teoria e História do Direito da Universidade de Lisboa). 

Republicanismo, representação e igualdade no pensamento Thomas Paine.

O naturalismo jurídico moderno tende a ampliar progressivamente a liberdade individual e os direitos do homem, neles incorporando novos elementos.

Com efeito, começa por se considerar essencial à dignificação da pessoa humana a autonomia da consciência e, por isso mesmo, a liberdade religiosa e a de pensamento. No que concerne às relações com os demais, a liberdade também exige a livre expressão das ideias, a segurança contra a opressão, a supressão de barreiras ao movimento, a igualdade perante a lei, a propriedade. Numa palavra, o Estado não tem legitimidade para impor qualquer crença religiosa, para dirigir o pensamento, para intervir na economia privada. 

Paulatinamente, entramos numa esfera em que a própria expansão do elenco dos direitos naturais transforma, de forma profunda, a sua fisionomia originária.

No liberalismo clássico, a condição natural era considerada exemplo de perfeição e modelo a seguir, constituindo a sociedade uma corrupção da originária excelência humana. Na transição do século XVIII para o XIX, tal relação modifica-se, até se alterar por completo. O homem não renuncia ao seu primitivo estado para perder. Por isso, só a sociedade e o Estado limitam as pretensões dos demais indivíduos, proporcionam o reconhecimento das expectativas legítimas e a sanção para o incumprimento das regras, elevando situações precárias a direitos exigíveis.

É essa a garantia real que o indivíduo obtém quando substitui a incerta liberdade natural pela segurança da liberdade civil. Doutrinariamente emergem as tentativas de converter o estado de natureza em estado social ou, numa outra formulação, para substituir os direitos naturais pelos direitos sociais.

Por isso, o liberalismo evolui historicamente, radicalizando-se. Embora permaneça centralmente individualista passa, com Paine e outros autores ingleses seus contemporâneos, a favorecer todas as intervenções dirigidas a melhorar as oportunidades dos menos favorecidos pela sua condição social. Caminha-se, assim, no sentido da universalização do gozo das liberdades e dos direitos liberais.

Sobre Paine podemos dizer que nenhum escritor exemplifica melhor a mutação do significado do termo “revolução”, que se nota entre 1775 e 1815. As doutrinas da Revolução Francesa encontram suporte nos seus escritos, que, no fundo, apelam a um modelo cosmopolita de sociedade, que preserve, acima de tudo, a liberdade política e a igualdade material entre os homens, elevados a cidadãos.

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